
Como poderei dizer-vos, Comendador, – e vós o crerdes – que, eu sendo Don Juan, nunca conquistei sequer uma mulher de minhas mil e três mulheres? Que retórica haverá capaz de um sortilégio tal: comprovar essa verdade? Pois crede: se eu falhar nesse propósito, eis mais uma mera emanação de minha coerência existencial. Hei-de ser entendido sempre no Impossível.
O mais frustrado e último dos homens (quem diria) chama-se Don Juan. O aristocrata, tão célebre, tão lendário, senão mítico... inveja ou desejo em outros de ser eu... Comendador, sou eu, de fato. Sou o desejo em outros de ser eu, a minha inveja de mim mesmo.
E foram mil e três mulheres que nunca alcancei conquistar. Destaco: nunca.
É de surpreender-se, não? – mil e três mulheres não seduzidas! O número chega a parecer fantasioso. O que talvez mais intrigue nem seja a amplitude do “mil” – e, sim, a aresta que é o “três”. Se “mil”, por que “e três”? Caminho para a verdade é a exatidão. O arredondamento, ao lado desta, apenas se pode ver como o prenúncio da mentira. O derradeiro algarismo imprime, portanto, o ar do que é preciso e, assim, convence. Só não explica por que não seduzi nem três nem mil... nenhuma mulher.
Comendador, vós me pedis que me arrependa disso? Sabei que a natureza de Don Juan, a minha natureza, com efeito, me perde neste abismo: a impossibilidade de fazer. Por que eu seduziria?
Já pensastes na diferença entre o sucesso e o malogro? Não falo das semelhanças. Por exemplo, a permanência do sentimento insatisfeito em ambos. Quem, após ter conquistado o mundo, não quererá ainda possuir uma boneca? Sinceramente, a satisfação jamais esteve em minhas buscas. Aliás, que busco eu, Comendador? Eu, Don Juan, poderia sustentar essas ilusões? Se busco algo, este é o vazio.